quarta-feira, 2 de maio de 2007

Pensamento














Isaac Pereira.2007.Algures.

A criança que eu fui não imaginava paisagens como esta.
Pertencia-lhe.

Isaac Pereira

terça-feira, 1 de maio de 2007

Viagem














Sempre a viajar. É assim que tenho vivido.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

terça-feira, 24 de abril de 2007

sábado, 21 de abril de 2007

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Natasha Trethewey













Natasha Trethewey was born in Gulfport, Mississippi, in 1966. She is the author of Domestic Work, which received the inaugural Cave Canem Poetry Prize, and Native Guard, which received the Pulitzer Prize 2007 for Poetry.


THEORIES OF TIME AND SPACE

You can get there from here, though
there’s no going home.

Everywhere you go will be somewhere
you’ve never been. Try this:

head south on Mississippi 49, one-
by-one mile markers ticking off

another minute of your life. Follow this
to its natural conclusion – dead end

at the coast, the pier at Gulfport where
riggings of shrimp boats are loose stitches

in a sky threatening rain. Cross over
the man-made beach, 26 miles of sand

dumped on a mangrove swamp – buried
terrain of the past. Bring only

what you must carry – tome of memory
its random blank pages. On the dock

where you board the boat for Ship Island,
someone will take your picture:

the photograph – who you were –
will be waiting when you return


"Theories of Time and Space" from Native Guard: Poems by Natasha Trethewey. Copyright © 2006 by Natasha Trethewey.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

terça-feira, 17 de abril de 2007

segunda-feira, 16 de abril de 2007

FRANCIS PONGE

L'huître

L'huître, de la grosseur d'un galet moyen, est d'une apparence plus rugueuse, d'une couleur moins unie, brillamment blanchâtre. C'est un monde opiniâtrement clos. Pourtant on peut l'ouvrir : il faut alors la tenir au creux d'un torchon, se servir d'un couteau ébréché et peu franc, s'y reprendre à plusieurs fois. Les doigts curieux s'y coupent, s'y cassent les ongles : c'est un travail grossier. Les coups qu'on lui porte marquent son enveloppe de ronds blancs, d'une sorte de halos.
A l'intérieur l'on trouve tout un monde, à boire et à manger : sous un firmament (à proprement parler) de nacre, les cieux d'en dessus s'affaissent sur les cieux d'en dessous, pour ne plus former qu'une mare, un sachet visqueux et verdâtre, qui flue et reflue à l'odeur et à la vue, frangé d'une dentelle noirâtre sur les bords.
Parfois très rare une formule perle à leur gosier de nacre, d'où l'on trouve aussitôt à s'orner.

Francis Ponge, Le Parti pris des choses, 1942

A OSTRA

A ostra, do tamanho de um seixo mediano, tem uma aparência mais rugosa, uma cor menos uniforme, brilhantemente esbranquiçada. É um mundo recalcitrantemente fechado. Entretanto, pode-se abri-lo: é preciso então agarrá-la com um pano de prato, usar de uma faca pouco cortante, denteada, fazer várias tentativas. Os dedos curiosos ficam trinchados, as unhas se quebram: é um trabalho grosseiro. Os golpes que lhe são desferidos marcam de círculos brancos seu invólucro, como halos.
No interior encontra-se todo um mundo, de comer e de beber: sob um "firmamento" (propriamente falando) de madrepérola, os céus de cima se encurvam sobre os céus de baixo, para formar nada mais que um charco, um sachê viscoso e verdejante, que flui e reflui para a vista e o olfato, com franjas de renda negra nas bordas.
Por vezes mui raro uma fórmula peroliza em sua goela nácar, e alguém encontra logo com que se adornar.

(Trad: Ignácio Antonio Neis e Michel Peterson)

domingo, 15 de abril de 2007

sábado, 14 de abril de 2007

sexta-feira, 13 de abril de 2007

quinta-feira, 12 de abril de 2007

quarta-feira, 11 de abril de 2007

terça-feira, 10 de abril de 2007

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Charles Baudelaire


















Charles Pierre Baudelaire
9 de Abril, 1821 – 31 de Agosto de 1867
Um dos mais influentes poetas franceses do século XIX.


ENIVREZ-VOUS

Il faut être toujours ivre. Tout est là: c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du Temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve.
Mais de quoi? De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise. Mais enivrez-vous.
Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, dans la solitude morne de votre chambre, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge, à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est; et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront: «Il est l'heure de s'enivrer! Pour n'être pas les esclaves martyrisés du Temps, enivrez-vous; enivrez-vous sans cesse! De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise!»

Le Spleen de Paris, Petits Poèmes en Prose



Tradução:

Deve estar-se sempre embriagado. Tudo está ali: é a única questão. Para não sentirdes sobre os ombros o horrível fardo do Tempo que vos curva até à terra, deveis embriagar-vos sem cessar. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiserdes. Mas embriagai-vos. (...)

Charles Baudelaire, in 'Pequenos Poemas em Prosa'

domingo, 8 de abril de 2007

sábado, 7 de abril de 2007

sexta-feira, 6 de abril de 2007

quinta-feira, 5 de abril de 2007

quarta-feira, 4 de abril de 2007

terça-feira, 3 de abril de 2007

segunda-feira, 2 de abril de 2007

domingo, 1 de abril de 2007

sábado, 31 de março de 2007

sexta-feira, 30 de março de 2007

quinta-feira, 29 de março de 2007

quarta-feira, 28 de março de 2007

terça-feira, 27 de março de 2007

segunda-feira, 26 de março de 2007

Robert Frost















Robert Frost

San Francisco, Califórnia, 26 de Março de 1874 - 29 de Janeiro de 1963. Um dos mais destacados poetas dos Estados Unidos no século XX. Recebeu quatro prémios Pulitzer.


Sítio da Fundação Robert Frost

FOGO E GELO

Alguns dizem que o mundo acabará em fogo,
Outro dizem que acabará em gelo.
Do que já provei como desejo
Fico com aqueles que são a favor do fogo.
Mas se tiver de acontecer duas vezes,
Penso que sei já o suficiente sobre o ódio
Para dizer que a destruição pelo gelo
Também é boa
E há-de bastar.

Robert Frost
Trad.: Isaac Pereira

domingo, 25 de março de 2007

sábado, 24 de março de 2007

sexta-feira, 23 de março de 2007

quinta-feira, 22 de março de 2007

Elena Bono

FLORES VERMELHAS

Flores vermelhas
florescem altas
na montanha.
O vento as move
lentamente
acaricia-as o vento
que recorda.


Elena Bono
Trad.: Jorge de Sena

quarta-feira, 21 de março de 2007

Chu Hsi

SOL DE PRIMAVERA

Deixo a brisa de leste banhar-me a face
A primavera resplandece de norte a sul
Com dez mil tons de vermelho
e dez mil tons de azul

Chu Hsi (séc. IX)
Trad.: Jorge Sousa Braga

Daniel Faria
















Poesia Toda de Daniel Faria

DEVO SER O ÚLTIMO TEMPO...

Devo ser o último tempo
A chuva definitiva sobre o último animal nos pastos
O cadáver onde a aranha decide o círculo.
Devo ser o último degrau na escada de Jacob
E o último sonho nele
Devo ser-lhe a última dor no quadril.
Devo ser o mendigo à minha porta
E a casa posta à venda.
Devo ser o chão que me recebe
E a árvore que me planta.
Em silêncio e devagar no escuro
Devo ser a véspera. Devo ser o sal
Voltado para trás.
Ou a pergunta na hora de partir.

Daniel Faria 1971-1999
In A Explicação das Árvores e de Outros Animais

terça-feira, 20 de março de 2007

segunda-feira, 19 de março de 2007

domingo, 18 de março de 2007

sábado, 17 de março de 2007

sexta-feira, 16 de março de 2007

quinta-feira, 15 de março de 2007

quarta-feira, 14 de março de 2007

terça-feira, 13 de março de 2007

segunda-feira, 12 de março de 2007

Matsuo Bashô














I

Não há arroz
mas tenho na malga
uma flor

Matsuo Bashô, 1644, Ueno, Japão

domingo, 11 de março de 2007

sábado, 10 de março de 2007

sexta-feira, 9 de março de 2007

Rami Saari













© Isaac Pereira. Lisboa, 2006. Tardes de silêncio.

NA CASINHA DA RUA HALAFTA

Na casinha da Rua Halafta
as tardes passam tranquilamente.
Amigos vêm, partem e sabem ao odor da mirra.
Na copa da palmeira há uma coroa de chuva transparente.
As rosas quase que irrompem para dentro de casa.
E nestas tardes de infinito outono, estou sempre no terraço,
a observar as luzes de Talpiot em frente,
pensando em que estações estarás agora,
e em como desapareceste, como transcorreu a vida.

© Rami Saari (1963, Petah Tikva, Israel)
Trad.: Francisco da Costa Reis

quinta-feira, 8 de março de 2007

Alberto Caeiro - Fernando Pessoa




















Fernando Pessoa na "baixa" de Lisboa.













Explicação do nascimento de Alberto Caeiro em carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, e o original do Poema II de "O Guardador de Rebanhos".


Lisboa, há 93 anos, em casa, sobre uma cómoda...

O GUARDADOR DE REBANHOS

II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…

8-3-1914

© 1914, Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
In: Poesia
Edição: Assírio & Alvim, Lisboa, 2001

quarta-feira, 7 de março de 2007

Pablo Neruda

Depois de Nicanor Parra, o regresso ao Chile. Lugar de privilégio na poesia hispano-americana. Pablo Neruda, Prémio Nobel da Literatura em 1971.








Pablo Neruda. 12 de Julho, 1904 – 23 de Setembro de 1973. Nome literário de Ricardo Eliecer Neftalí Reyes Basoalto.

SENSAÇÃO DE AROMA

Fragrância
de lilás...

Claros entardeceres da minha remota infância
que fluiu como o curso de umas águas tranquilas.

E depois um lenço agitado à distância.
Sob o céu de seda a estrela que cintila.

Nada mais.Pés cansados em grandes errâncias
e uma dor, uma dor que morde de novo e se afia.

...E nos campanários distantes, canções, penas, ânsias,
virgens que possuíam pupilas tão doces.

Fragrância
de lilás...

Pablo Neruda
Trad.: Isaac Pereira

terça-feira, 6 de março de 2007

Pierre Kemp


















Pierre Kemp
1 Decembbro 1886, Maastricht - 21 Julho 1967, Maastricht, Holanda.

SONHOS

Certas noites sigo uma luz amarela
Até uma porta azul onde se lê: Sonho.
A porta não é aberta por minha mão
Nem sou convidado por uma mulher
Para comprar sonhos, e mesmo assim
sempre eles foram pagos por mim.
À noite não fiquei nada a dever.

Pierre Kemp
(1886-1967)

Tradução: Fernando Venâncio

segunda-feira, 5 de março de 2007

Reinaldo Perez Só

TRÊS POEMAS DE REINALDO PEREZ SÓ

I

O quarto
está
vazio
de algo que busco
avô
como tu


II

esta é uma cadeira
só uma cadeira
nela
sentou-se meu pai
meus irmãos
todos
os meus melhores amigos
agora
está sozinha
sem ninguém
uma cadeira

III

Nós que sonhamos
sentimos o sonho mais bonito
morremos cedo
porque não somos sonhos
nem pássaros
e o ar pesa-nos
apesar de tudo
voltamos em cada noite
para morrermos de outro sonho

Reinaldo Perez Só (Venezuela)
Do livro: Para morrermos de outro sonho
Trad.: José Bento

domingo, 4 de março de 2007

Depois da chuva












Buraco-de-agulha. Uma Casa na Primavera.
© Isaac Pereira. 2006


Depois da chuva,
as árvores brotavam de um silêncio verde,
e os pássaros cantavam, escondidos em ninhos de pedra.
Havia uma luz débil, amarela, oblíqua, crepuscular,
uma luz que fazia compridos os dias, que engrandecia.
E, em meus pequenos jardins, um odor a hortênsias, a amores-perfeitos.

Naquele tempo, depois da chuva,
as núvens, como nós,
passeavam, brancas, sobre a cidade deserta.

Koi Hui-Sio

sábado, 3 de março de 2007

Yun Sondo








© Isaac Pereira. Langkawi.Malásia.2006

SENTADO SOZINHO

Sentado sozinho
com um copo na mão
contemplo
os montes distantes

Nem que chegasse
a amada
sentiria
prazer maior

Mesmo que não falem nem riam
gosto mais
das montanhas

Yun Sondo. Coreia.1587-1671
Trad.: Isaac Pereira
(a partir de tradução do português de Yun Jung Im e Alberto Marsicano)

sexta-feira, 2 de março de 2007

Aldous Huxley

Aldous Huxley (1894-1963)

Visão

Eu estava sentado, sozinho com livros,
Até a dúvida era uma doença negra,
Quando ouvi o grito alegre dos rebentos
Nas árvores despidas, proféticas.

Árvores despidas, profetas do novo nascimento,
Levantam as filiais limpas e livres
Para ser uma marca na terra,
Uma flama de cólera para que todos vejam.

E os rebentos nas filiais riem e gritam
Àqueles que podem se ouvir e compreender:
“Ande através dos caminho sombrios da dúvida
com a tocha da visão em sua mão."

Trad.: Isaac Pereira

quinta-feira, 1 de março de 2007

Ana Paula Inácio










Poeta portuguesa. Porto.1966.

QUERIA QUE ME ACOMPANHASSES

queria que me acompanhasses
vida fora
como uma vela
que me descobrisse o mundo
mas situo-me no lado incerto
onde bate o vento
e só te posso ensinar
nomes de árvores
cujo fruto se colhe numa próxima estação
por onde as comboios estendem
silvos aflitos

© 2000, Ana Paula Inácio
In Vago Pressentimento Azul por Cima
Editora: Ilhas, Porto, 2000

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

Chenjerai Hove

















Zimbabwe, 9 de Fevereiro, 1956. Outros dados biográficos

ESPOSA DE GUERRA E DE GARRA

Esta guerra!
Estou cansada
de um marido que nunca dorme
a guardar a casa sempre a ser chamado,
nunca dorme!

Talvez diga para si
“estou cansado de uma mulher
que nunca morre
para eu poder deixar de estar em guarda”.

© 1982, Chenjerai Hove
In Up In Arms
Edição: Zimbabwe Publishing House, Harare, 1982
Trad.: Isaac Pereira

terça-feira, 27 de fevereiro de 2007

Joseph Brodsky




















Joseph Brodsky. Poeta russo, natural de Leninegrado, actual S. Petersburgo a 24 de Maio de 1940. Faleceu em Nova Iorque, a 28 de Janeiro de 1996. Prémio Nobel da Literatura em 1987. Escreveu em língua russo e, mais tarde, em língua inglesa. Em 1964 foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados pelo estado soviético. Exilou-se nos EUA, naturalizou-se cidadão americano em 1977.

PARA A MINHA FILHA

Dai-me outra vida e estarei no Caffè Rafaella
a cantar. Ou estarei sentado a uma mesa,
simplesmente. Ou de pé, como um móvel no corredor,
caso essa vida seja menos generosa que a anterior.

Contudo, em parte porque nenhum século daqui em diante
conseguirá passar sem jazz nem cafeína, aguentarei esse desplante,
e pelas minhas rachas e poros, verniz e todo de pó coberto,
observarei, daqui a vinte anos, como a tua flor se terá aberto.

De um modo geral, lembra-te de que estou por ali. Ou melhor, que
um objecto inanimado pode ser o teu pai, sobretudo se
os objectos forem mais velhos do que tu, ou maiores. Não
os percas de vista, pois, sem dúvida, te julgarão.

Seja como for, ama essas coisas, haja ou não encontro.
Além disso, pode ser que ainda te lembres duma silhueta, dum contorno,
ao passo que eu até isso perderei, juntamente com a restante bagagem.
Daí estes versos, algo toscos, na nossa comum linguagem.

Joseph Brodsky

in So Forth (1984)

Antologia: Paisagem com Inundação, edição bilingue, Cotovia, Lisboa, 2001
Trad.: Carlos Leite

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2007

Buland Al-Haydari

Uma pequena partícula de um grão de areia no imenso respeito que o cidadão livre deve ao grande povo do Iraque:

Buland Al-Haydari. Iraque (1926-1996)










O CARTEIRO

Que queres tu carteiro?
estou longe do mundo
sem dúvida estás equivocado...
já que nada de novo há
que o mundo possa trazer a este fugitivo.
O que era
é ainda o que é costume.
Sonhar
ou enterrar
ou evocar
enquanto a gente tem ainda seus festejos
e seus funerais juntando festa com festa
seus olhos desenterrados em suas mentes
outro osso para uma nova fome.
A China ainda tem a sua muralha
um mito apagado e um destino em repetição
a Terra tem ainda tem o seu Sísifo
e uma pedra que não sabe o que quer.

Carteiro
sem dúvida estás equivocado...
já que nada é novidade
volta à estrada
já que a estrada tanta vezes te trouxe.
E que queremos nós?

Trad.: Adalberto Alves

domingo, 25 de fevereiro de 2007

César Vallejo




Um Poeta do Peru. Um Poeta do Mundo.

César Abraham Vallejo Mendoza
Santiago de Chuco, uma aldeia dos Andes em 16 de Março de 1892
Paris, 15 de Abril de 1938




PEDRA NEGRA SOBRE PEDRA BRANCA

Morrerei em Paris num dia de chuva,
um dia do qual já me recordo.
Morrerei em Paris - e não me incomoda -
talvez numa quinta-feira, como hoje, de Outono.

Quinta-feira será, porque hoje, quinta-feira, dia em que escrevo
estes versos, já coloquei os meus ombros
na mala e, nunca como hoje, me voltei,
em todo o meu caminho, a ver-me só.

César Vallejo morreu, todos pegavam nele
sem que ele lhes faça nada;
batiam-lhe forte com um pau duro
e também com uma corda; são testemunhas
os dias de quinta-feira, os ossos dos ombros,
a solidão, a chuva, os caminhos...

César Vallejo
Trad.: Isaac Pereira

sábado, 24 de fevereiro de 2007

Stanley Kunitz


















Stanley Kunitz. Poeta americano, Worcester, Massachusetts
29 de Julho, 1905 – 14 de Maio, 2006


UMA VELHA E DESAFINADA CANÇÃO

Chamo-me Solomon Levi,
o deserto é a minha casa,
o peito da minha mãe picava,
e não tive pai.

As areias murmuravam, Separem-se,
e as pedras ensinaram-me, Sê duro.
Danço,pela alegria de sobreviver,
na berma da estrada.

Stanley Kunitz

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

José Afonso













Aveiro, 2 de Agosto, 1929 - Setúbal,23 de Fevereiro, 1987


QUE AMOR NÃO ME ENGANA

Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se da antiga chama
Mal vive a amargura

Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia?

E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais de ouve o seu grito

Muito à flor das águas
Noite marinheira
Vem devagarinho
Para a minha beira

Em novas coutadas
Junto de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera

Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
Pelo nascer do dia

José Afonso

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Nicanor Parra
















Poeta chileno.Nicanor Parra: O "antipoeta"

San Fabián de Alico, 5 de Setembro 1914


OS VICIOS DO MUNDO MODERNO

Os delinquentes modernos
Estão autorizados a deslocar-se diariamente
a parques e jardins.
Dotados de poderosos binóculos e de relógios de bolso
Entram a saque nos quiosques favorecidos pela morte
E instalam os seus laboratórios nos roseirais em flor.

Dali controlam os fotógrafos e os mendigos que deambulam pelas redondezas
Procurando erigir um pequeno templo à miséria
E se têm oportunidade chegam a possuir um engraxador melancólico.
A policia atemorizada foge destes monstros
Em direcção ao centro da cidade
De onde deflagram os grandes incêndios de fim de ano
E um valente encapuzado coloca as mãos para cima a duas freiras da caridade.

Os vícios do mundo moderno:
O automóvel e o cinema,
As discriminações raciais,
O exterminio dos índios,
Os truques da alta finança,
A catástrofe dos velhos,
O comércio clandestino de brancas realizado por sodomitas internacionais,
A auto-promoção e a gula
As Pompas Fúnebres
Os amigos pessoais de sua excelência
A elevação do folclore a categoria do espírito,
O abuso dos estupefacientes e da filosofia,
A suavização dos homens favorecidos pela fortuna
O auto-erotismo e a crueldade sexual
A elevação do onírico e do subconsciente em detrimento do senso comum.
A confiança exagerada em sonhos e vacinas,
O endeusamento do falo,
A política internacional de pernas abertas patrocinada pela imprensa reacionária,
A ânsia desmedida de poder e de lucro,
A carreira do ouro,
A fatídica dança dos dólares,
A especulação e o aborto,
A destruição dos ídolos.
O desenvolvimentos excessivo da dietética da psicología pedagógica,
O vício da dança, do cigarro, dos jogos de azar,
As gotas de sangue que costumam encontrar-se entre os lençóis dos recém-casados,
A loucura do mar,
A agorafobia e a claustrofobia,
A desintegração do átomo,
O humor sangrento da teoria da relatividade,
O delírio de voltar ao ventre materno,
O culto do exótico,
Os acidentes aéreos,
As incinerações,as lutas em massa, a retenção dos passaportes,
Tudo isto porque sim,
Porque produz vertigem,
A interpretação dos sonhos,
E a difusão da radiomania.

Como fica demonstrado, o mundo moderno é composto por flores artificiais
Que se cultivam nuns vasos parecidos com a morte,
É formado por estrelas de cinema,
E de sangrentos boxistas que combatem à luz da lua,
Compõe-se de homens-rouxinol que controlam a vida económica dos países,
Por meio de alguns mecanismos fáceis de explicar,
Geralmente vestem de negro como os precursores do outono
E alimentam-se de raízes e de ervas silvestres.
Entretanto os sábios, comidos pelas ratazanas,
Apodrecem nos sótãos das catedrais,
E as almas nobres são perseguidas implacavelmente pela policia

O mundo moderno é uma grande cloaca,
Os restaurantes de luxo estão apinhados de cadáveres digestivos
E de pássaros que voam perigosamente baixo.
E não é tudo: Os hospitais estão cheios de impostores,
Sem referir os herdeiros do espírito que estabelecem as suas colónias
no ânus dos recém-operados.

Às vezes os industriais modernos sofrem o efeito da atmosfera envenenada,
Junto ás máquinas de tecer costumam ficar doentes por causa da terrível doença do sonho,
Que por vezes os transforma numa espécie de anjos.
Negam a existência do mundo físico,
E vangloriam-se de ser uns pobres filhos do sepulcro.
Contudo o mundo sempre foi assim.
A verdade, como a beleza, não se cria nem se perde.
E a poesia reside nas coisas ou é simplesmente uma miragem do espírito.
Reconheço que um terramoto bem concebido
Pode acabar em alguns segundos coom uma cidade rica em tradições
E que um minucioso bombardeamneto aéreo
Derruba árvores, cavalos, tronos, música.
Mas que interessa tudo isto
Se enquanto a maior bailarina do mundo
Morre pobre e abandonada numa pequena aldeia do sul de França
A primavera devolve ao homem uma grande parte das flores desaparecidas.

Tratemos de ser felizes, recomendo, chupando a miserável costela humana.
Extraiamos dela o líquido renovador,
Cada um de acordo com as suas inclinacões pessoais.
Agarremo-nos a esta lástima divina!
Pintores e estremecidos
Chupemos estes lábios que nos enlouquecem;
A sorte foi encontrada.
Respiremos este perfume enervador e destruidor
E vivamos um dia mais a vida dos eleitos:
Das suas axilas extrai o homem a cera necessária
para forjar o rosto dos seus ídolos.
E do sexo da mulher a palha e o barro dos seus templos.
Por tudo isto
Crio um piolho na minha gravata
E sorrio aos imbecis que descem das árvores.

Nicanor Parra
De Poemas e antipoemas (Santiago, Nascimento,1954)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Vinicius de Moraes

MARCHA DA QUARTA-FEIRA DE CINZAS

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz

Poesia completa e prosa: "Cancioneiro"

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Salvatore Quasimodo

















E DE REPENTE É NOITE

Todos estão sós no coração da terra,
atravessados por um raio de sol:
e de repente é noite.

Salvatore Quasimodo, Sicily, Italy
1901, Modica - Ragusa - 1960 Naples
1959 Nobel Prize.
Trad: Jorge de Sena

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Jacques Prévert


















© Robert Doisneau
Jacques Prévert, Paris 1955



BAIRRO LIVRE

Pus o boné na gaiola
saí com o pássaro na cabeça
E então
já não se faz a continência
perguntou o comandante
Não
já não se faz a continência
respondeu o pássaro
Ah bem
desculpe julguei que se fazia
disse o comandante
Não há de quê toda a gente pode enganar-se
disse o pássaro.

Jacques Prévert,poeta francês
do Livro Paroles
Trad.: Jorge de Sena

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Bai Juyi

Início da Primavera

A neve derrete, dias cada vez mais quentes,
o gelo desaparece, raios de sol inundam a terra,
pouco a pouco os rebentos ganham força.
A Primavera só não desfaz a geada branca em meus cabelos.

Bai Juyi (China. 772-846)
Trad.: António Graça de Abreu

Primavera









© Isaac Pereira. Macau 2006.Tou Fa. Kam Kat.

Tan Fong Lou

No caminho que ilumina o vento - Tan Fong Lou - eu carreguei uma árvore.
Chovia. O vento soprava.
Antes da noite chegar, viria a Primavera.

Eu sabia.
Ao frio, carregava uma árvore, no caminho que ilumina o vento.

Isaac Pereira

Seis Haikus

I

A chuva é fria.
Ao cume da montanha
chega a Primavera.

II

Noite gelada.
Rebentam os foguetes
nas águas do rio.

III

À porta de casa
para entrar a fortuna:
- tangerineiras.

IV

Uma lua nova.
Incenso e foguetes,
brincam as crianças.

V

Flores de Tou Fa:
- Uma árvore de Primavera
em nossa casa.

VI

Desceu o dia.
No silêncio do vento
um pássaro voa.

Koi Hui Sio

Macau, 2004

sábado, 17 de fevereiro de 2007

Da Juventude - Passagem das nuvens













© Isaac Pereira. South China Sea. 2001

Da Juventude - Passagem das nuvens

Praias, cafés, apartamentos,
lugares onde, pela última vez, tocaram a pele.

Um dia, com a mala por abrir,
um dos amantes regressará às ruínas da cidade,
e se não regressar,
num outro porto de abrigo,
sempre que uma viagem termine,
lembrará o vento breve de verão,
a janela do quarto azul,
onde, como na tela transparente dos olhares,
havia lágrimas e alguns sorrisos.

Isaac Pereira
01.1999

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Inger Christensen












SE ESTOU

Se estou
sozinha na neve
é óbvio
que sou um relógio

de outro modo como poderia
a eternidade deslizar

Inger Christensen -1935, Vejle. Costa leste da Jutlândia - Dinamarca
Trad.: José Alberto Oliveira

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Bertolt Brecht















Bertolt Brecht - Eugen Berthold Friedrich Brecht
10 DE Fevereiro, 1898 – 14 de Agosto, 1956
Foi um influente socialista alemão, dramaturgo e poeta do século XX.


RÁDIO POEMA

Caixa pequenina, seguro-te para escapar
Que as tuas válvulas não quebrem
Levada de casa em casa, para o barco, do mar para o comboio,
Que os meus inimigos possam continuar a falar comigo,
Perto da minha cama, para minha dor,
A última coisa à noite, a primeira coisa de manhã,
Das suas vitórias e dos meus anseios,
Promete-me que não te calas de repente.

Bertolt Brecht
Trad.:Isaac Pereira

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Les Murray


Leslie Allan Murray.
17 de Outubro de 1938.
Poeta australiano.









Página pessoal de Les Murray

O SIGNIFICADO DA EXISTÊNCIA

Tudo, excepto a linguagem,
conhece o significado da existência.
Árvores, planetas, rios, tempo
nada mais sabem. Dizem-no
instante após instante como o universo.
Até este corpo idiota
em parte vive com ele, e nele quer
ter total dignidade
só por causa da inteira e ignorante liberdade
do meu pensamento falante.

Les Murray

Poems the Size of Photographs, 2002

Trad.: Isaac Pereira

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Petrónio

Um outro clássico.
Petrónio ou Petronius, autor de Satíricon, foi um escritor romano. Pensa-se que Petrónio é Gaius Petronius Arbiter ou Titus Petronius (c.27-66 D.C.), um assíduo da corte do imperador Nero.


COMÉDIA HUMANA

Dura, enquanto convém, o nome da amizade;
no tabuleiro a pedra anda em vários sentidos...
Se a sorte se mantém, que perto estais, amigos!
Mas, assim que ela cai, bateis em retirada.

A trupe desempenha, sobre o palco, uma farsa:
este, o pai; esse, o filho; aquele, um homem rico...
Mal se diz o papel e se termina o riso,
a máscara lá vai...E reaparece a face.

Petrónio. Séc. I. Satyricon, 80
Tradução: David Mourão-Ferreira


Satyricon conta as aventuras, em prosa e em verso, de três jovens e de um velho poeta. Trata-se do primeiro de novela picaresca na literatura europeia. Contém descrições da vida no século I d.C. Língua original: Latim.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

José Agostinho Baptista












© Isaac Pereira. Trás-os-montes. Portugal.

Página de José Agostinho Baptista


CREPÚSCULO

Queima tudo, inceideia-me mais.
Beija os vastos desertos da minha combustão.
Não digas nada.
Ao crepúsculo, conduz-me ao redil,
faz soar os guizos, canta junto ao moinho de
vento.

José Agostinho Baptista
Do livro "Quatro luas", 2006.
Assírio & Alvim

domingo, 11 de fevereiro de 2007

Juan Ramón Jimenez











Poeta espanhol,Prémio Nobel da Literatura em 1956
Moguer, Huelva, sul da Andaluzia. 23.12.1881
Santurce, Porto Rico, 29.12.1958


CANÇÃO DE INVERNO

Cantam. Cantam.
Onde cantam os pássaros que cantam?

Choveu. Ainda os ramos
estão sem folhas novas. Cantam. Cantam
os pássaros. Onde cantam
os pássaros que cantam?

Não tenho pássaros presos.
Não há meninos que os vendam. Cantam.
O vale fica distante.Nada...

Eu não sei onde cantam
os pássaros - cantam, cantam -,
os pássaros que cantam.


Juan Ramón Jimenez
Trad.: José Bento

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Langston Hughes


















Langston Hughes, Chicago. 1941
© Gordon Parks
Langston Hughes, poeta americano.
1 de Fevereiro, 1902 – 22 de Maio, 1967

POEMA

Para o retrato de um rapaz africano no estilo de Gauguin


Todos os tam-tans da selva pulsam no meu sangue,
E todas as luas quentes e selvagens brilham na minha alma.
Tenho medo desta civilização -
Tão dura,
Tão forte,
Tão fria.

Langston Hughes, 1965
Translated: IP

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

Ingeborg Bachmann




















25 de Junho de 1926, Klagenfurt, Austria - 17 de Outubro, 1973 Roma, Itália

Escritora, poeta e ensaísta austríaca. A obra de Ingeborg Bachmann cruza-se com Paul Celan ou Walter Benjamin. A linguagem poética como possibilidade de iluminação, contra os horrores do mundo.
Foi membro do Gruppe 47 - Grupo 47 do pós-guerra - do qual fizeram parte, entre outros, Paul Celan e Gunter Grass. Existe um Prémio Instituído com o seu nome: o prestigiado Ingeborg Bachmann Prize, concedido anualmente em Klagenfurt.


SOMBRAS ROSAS SOMBRAS

Sob um céu estranho
sombras rosas
sombras
numa terra estranha
entre rosas e sombras
numa água estranha
a minha sombra


Ingeborg Bachmann, Invocação da Ursa Maior
Trad.: João Barrento
Editora: Assírio & Alvim

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Nima Yoshij







Nima Yoshij, O Pai da Moderna Poesia Persa.
(Fotografia: Hadi Shafaieh)


É NOITE

Uma noite de escuridão profunda.
No ramo da velha figueira
uma rã coacha sem cessar
predizendo uma tempestade, um dilúvio
e eu afogo-me no medo.

É noite.

E com a noite o mundo parece
um cadáver na sepultura;
E no medo digo para mim:
"E se chover torrencialmente em todo o lado?"
"E se a chuva não parar
até que a terra se afunde na água,
como um pequeno barco?"

Nesta noite de terrível escuridão

Quem pode dizer o que seremos
quando a alvorada chegar?
Irá a luz da manhã fazer
com que a irritada face da tempestade
desapareça?

Nima Yoshij (1896-1960), Irão
Trad: Isaac Pereira

Informação mais detalhada sobre a Vida e Obra de Nima Yoshij:

http://www.iranchamber.com/literature/nyoshij/nima_yoshij.php

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

Homero Aridjis

Hoje, outro poeta latino-americano, mas com descendência grega.













HÁ SERES...

Há seres que são mais imagem que matéria
mais olhar do que corpo

tão imateriais os amamos
que quase não queremos tocá-los com palavras

desde a infância os buscamos
mais no sonho que na carne

e sempre no limiar dos lábios
a luz da manhã parece dizê-los

Homero Aridjis (Contepec, Michoacán, México,1940)
Trad.: José Bento

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Vinicius de Moraes













Vinicius de Moraes, 1960.


Ao segundo mês deste diário de registos e de outras aventuras poéticas, ouso partilhar um outro Poeta Maior. Depois de Carlos Drummond de Andrade, um Poeta, também do Brasil e do Mundo: Vinicius de Moraes.
Para outras observações, ver a ligação "Poesia e Música", ao sítio oficial de Vinicius de Moraes.

POÉTICA

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Vinicius de Moraes, Rio de Janeiro,1913-1980.

Nova York, 1950

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Diálogo







© Isaac Pereira
Lisboa, Monsanto. 2007


Na margem da estrada, uma cerejeira brava:

- Por que passas sem me ver,
escravo da Ignorância?
Como são úteis os teus olhos?
Detém-te viandante!

- Não posso, meu mestre. Sou o que julga já tudo ter visto.

Koi Hui Sio

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Um homem...


















© Isaac Pereira
Guincho, Cascais.2006


Um homem caminha.
Avista o mar, as montanhas,
répteis sobre a terra.

Koi Hui Sio

sábado, 3 de fevereiro de 2007

Sylvia Plath














EU QUERO, EU QUERO

De boca aberta, o deus recém-nascido
imenso, calvo, embora com cabeça de criança,
gritou pela teta da mãe.
Os vulcões secos estalaram e cuspiram,

a areia esfolou o lábio sem leite.
Gritou então pelo sangue paterno
que agitou a vesta, o tubarão e o lobo
e veio engendrar o bico do ganso.

De olhos secos, o inveterado patriarca
ergueu seus homens de pele e osso:
farpas sobre a coroa de fio dourado,
espinhos nas hastes sangrentas da rosa.

Sylvia Plath, E.U.A. (1932-1963)
Trad.: Maria de Lourdes Guimarães

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Eugène Guillevic








Poeta francês, natural da Bretanha - Carnac, Morbihan, 5 de Agosto de 1907. Um dos poetas maiores da segunda metade do século XX. Guillevic foi recebeu o Grande Prémio de Poesia da Academia Francesa em 1976 e o Grande Prémio Nacional de Poesia em 1984. Faleceu em Paris em Maio de 1997.


E PARTIMOS

E partimos,

Baptizando o futuro
Com as últimas lágrimas.

De: Eugène Guillevic, Sphère(1963)
Trad.: David Mourão Ferreira

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

Luís Vaz de Camões













© Isaac Pereira
Túmulo de Luís Vaz de Camões no Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa

POIS MEUS OLHOS NÃO CANSAM DE CHORAR

Pois meus olhos não cansam de chorar
tristezas, que não cansam de cansar-me;
pois não abranda o fogo em que abrasar-me
pôde quem eu jamais pude abrandar;

não canse o cego Amor de me guiar
a parte donde não saiba tornar-me;
nem deixe o mundo todo de escutar-me,
enquanto me a voz fraca não deixar.

E se nos montes, rios, ou em vales,
piedade mora, ou dentro mora Amor
em feras, aves, prantas, pedras, águas,

ouçam a longa história de meus males
e curem sua dor com minha dor;
que grandes mágoas podem curar mágoas.

© Luís Vaz de Camões, 1595
De: Rimas
Editora: Almedina, Coimbra, 1994

quarta-feira, 31 de janeiro de 2007

Friedrich Nietzsche















Dois extractos de Brincadeira, Manhã e Vingança, de Friedrich Nietzsche. No último dia deste primeiro mês. Apenas por convenção. Interrogação: Devo prosseguir com este blogue? Haverá leitores?

SABEDORIA DO MUNDO

Não fiques em terreno plano.
Não subas muito alto.
O mais belo olhar sobre o mundo
Está a meia encosta.

JUÍZOS DOS HOMENS CANSADOS

Todos os esgotados amaldiçoam o sol;
Para eles o valor das árvores está...na sombra!

A Gaia Ciência,Friedrich Nietzsche, Alemanha, 1844-1900
Trad.: Alfredo Margarido

terça-feira, 30 de janeiro de 2007

Mzi Mahola

Hoje, finalmente, um poema vindo de África.

A CASA DO POBRE

Quando era rapaz
Nunca perguntei o motivo
Do percurso solitário
que vinha do abrigo do homem pobre.

Por que ziguezagueava
Como a fuga de uma fera ferida.

Agora que sou adulto
Sei por que os ricos se perturbam
Quando resmungamos.

© 2000, Mzi Mahola, África do Sul
Trad.: Isaac Pereira
De: Quando as chuvas chegam
Editora: Carapace Poets, an imprint of Snailpress, Africa do Sul

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Dylan Thomas












Copyright © Lee Miller Archives

Tudo sobre Dylan Tomas em:
http://www.dylanthomas.com


HAVIA UM TEMPO

Havia um tempo em que dançarinos com seus violinos
podiam deixar seus problemas nos circos das crianças?
Era o tempo em que podiam chorar sobre livros,
Mas o tempo colocou a sua larva no caminho.
Sob o arco do céu não estão a salvo.
O que não se conhece é seguro nesta vida.
Sob os sinais do céu aquele que não tem braços
Possui as mãos mais limpas, e, como um espirito insensivel
não sofre sozinho, também um cego vê melhor.

Dylan Thomas
Swansea,País de Gales, 27 de Outubro 1914 – Nova Iorque, 9 de Novembro 1953

Trad.: Isaac Pereira

domingo, 28 de janeiro de 2007

Kalidasa

O DESEJO...

O desejo a impele ao encontro do amante
O receio a detém por um momento
Parece a seda de um estandarte
Que ora se abandona ora se furta ao vento

Kalidasa, séc. V - Índia
Trad.: Jorge Sousa Braga

sábado, 27 de janeiro de 2007

Anónimo II

VISITA NOCTURNA

Desvia o estore de bambu,
amor;
entra e chega-te a mim.
Se a minha mãe ouvir,
direi: "foi apenas o vento".

Trad. Stephen Reckert
Anónimo séc.VIII (Japão)

Haiku de Inverno


















Covide. Norte de Portugal.2006.By Isaac Pereira

Árvores nuas.
Branca, a lua nova
no profundo azul.

Koi Hui Sio

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Anónimo I
















XAROPE DE PERAS, XAROPE DE VINHO



O teu corpo é como o vaso
onde o vinho ferve, doce como açúcar.

No vaso é profundo o cravo-de-cabecinha,
a picante e terrestre canela,
o ácido limão.

Levemente,
a faca despe a pele dos frutos
que os dedos tocam
e depositam no fogo do vaso.

Fecho os olhos.
Na cozinha, um aroma-vapor de néctar e de uvas.

Enquanto a colher-de-pau mexe,
espero a semente, os lábios, a geleia da embriaguês.
E apuro no interior do vaso,
a efervescência dos líquidos.

Um xarope rubi, como as pêras!

- Chlep! Chlep!

Anónimo

Do Tempo das Descobertas.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Issa Kobayashi


















Noite nevada.
Há pessoas que caminham
caladas.

Haiku de Inverno.Solidão.

Kobayashi Issa (1763-1827)

Nasceu em Kashiwabara, uma aldeia de setecentos habitantes, na provincia de Shinano, actual Nagano, a norte de Tóquio.

Mais informção acerca de Kobayashi no sítio:
http://haikuguy.com/issa/index.html

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

Arthur Rimbaud












De novo o Inverno.
Rimbaud, jovem poeta com 16 anos de idade, descreve uma viagem no interior de uma carruagem.

SONHO DE INVERNO

Para Ela.

No Inverno viajamos no interior de uma pequena carruagem cor-de-rosa
Com almofadas azuis.
Estamos bem. Um ninho de beijos loucos descansa
Em cada canto macio.

Tu fechas os olhos e nada verás pela vidraça
Rostos horríveis na sombra da noite,
Essas agressivas monstruosidades, a plebe
De negros demónios e de negros lobos.

Depois, sentirás a face arranhada...
Um pequeno beijo, como uma aranha louca,
Correrá pelo teu pescoço...

Dir-me-ás: "Procura!",inclinando a cabeça
-Levaremos algum tempo até encontrar esse bichinho
-Que muito viaja...

Dentro de uma carruagem. 7 de Outubro,1870.
Tradução de IP

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Em Janeiro...













Jogo de Sombras.Uma manhã no Museu D'Orsay em Paris. Maio,2005.
Fotografia de Isaac Pereira.




EM JANEIRO

A minha mãe...

Em Janeiro, os gatos páram ao sol,
entre ruínas de casas abandonadas.
O frio sobe pelas narinas
e sai sorrindo, boquiaberto, em fumos de espanto.

É o tempo e a latitude do sono doce e vegetal
das árvores infantis, da imaginação das hortênsias azuis, lilases e rosas...
E há bolbos em canteiros sem nome,
ninhos cavados no interior do musgo, no útero da terra.
Rizomas que hão de ser vermelhos até à morte,
que hão de chegar ao despertar primaveril das mãos, dos dedos,
das nossas mãos de gelo entreaquecidas como lábios de fogo azul.

Regresso agora à casa antiga
agarrado à chuva de granito,
a um vendaval de árvores nuas.
Na estrada, as valetas são correntes de rio,
as sarjetas são como cataratas,
a foz onde se esconde o peso do mundo.
Pesadelos desconhecidos.

Mas hoje, acredita. Hoje tive um sonho.
Era um mercado de flores, a Oriente.
Eu sorria ás vendedoras que conheci em dias que não foram sonhos.
As bancas eram amarelas, eram brancas.
Aí te encontrei talvez, talvez perdido entre corolas.

Saio do sonho para a realidade fria.

Em Janeiro, como homens na cidade abandonada,
os gatos vagueiam, invisíveis,
desistem debaixo de viadutos,
não falam, fazem fogueiras, miam de frio, não dançam.
Parece que rosnam baixinho.

Em Janeiro, não estou cansado ainda,
estendo os pés na água quente da noite,
e, como um murmúrio longínquo, oiço-te cantar no meu ouvido:

- Doba, doba, dobadoira...

Não adormeço sozinho.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

Ricardo Reis. Heterónimo de Fernando Pessoa






Fotografia de Isaac Pereira. Inverno, 2006.

AO LONGE OS MONTES...

Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.

Hoje,Neera, não nos escondamos.
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.

Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.

16-6-1914

Ricardo Reis, Odes e Outros Poemas. Assírio e Alvim

domingo, 21 de janeiro de 2007

Inverno

A meu pai...

I

Ao frio, ao luar,
a sombra da videira,
toca o granito.

II

Restaram os ramos,
o chilrar de um pássaro,
arames gelados.

III

Alguém o esqueceu:
Pende na ramada nua
um cacho rugoso.

IV

Abro a janela:
Tudo cinza! Só neve!
Um melro no ramo!

V

Manhã de geada:
Ar de vinha queimada
no fogo dos velhos.

Koi Hui-Sio

sábado, 20 de janeiro de 2007

Fiama Hasse Pais Brandão












Parede de betão. Ícaros no porto de Píreu. Atenas, Agosto.1991.
Isaac Pereira.
Montagem sobre fotografia de Fiama Hasse Pais Brandão. picture.


EPÍSTOLA PARA DÉDALO

Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.

Fiama Hasse Pais Brandão, in Epístolas e Memorandos, 1996


Para pensar. Consideração do ensaísta Eduardo Lourenço:

Fiama é “uma espécie de concha de silêncios, onde se reflectiam todas as dores e alegrias do mundo (...) mas vamos ter agora tempo para a ler, como é costume em Portugal, onde só acordamos com os mortos nos braços” e “se há um céu para os poetas, como se diz que há para as crianças quando morrem, pela sua inocência, Fiama, que tinha esse nome maravilhoso de chama, terá nele certamente um lugar.”

Eduardo Lourenço é autor do prefácio de “Obra Breve”, livro que reúne a poesia completa de Fiama Hasse Pais Brandão (Assírio e Alvim, 2006).