quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007
Nicanor Parra
Poeta chileno.Nicanor Parra: O "antipoeta"
San Fabián de Alico, 5 de Setembro 1914
OS VICIOS DO MUNDO MODERNO
Os delinquentes modernos
Estão autorizados a deslocar-se diariamente
a parques e jardins.
Dotados de poderosos binóculos e de relógios de bolso
Entram a saque nos quiosques favorecidos pela morte
E instalam os seus laboratórios nos roseirais em flor.
Dali controlam os fotógrafos e os mendigos que deambulam pelas redondezas
Procurando erigir um pequeno templo à miséria
E se têm oportunidade chegam a possuir um engraxador melancólico.
A policia atemorizada foge destes monstros
Em direcção ao centro da cidade
De onde deflagram os grandes incêndios de fim de ano
E um valente encapuzado coloca as mãos para cima a duas freiras da caridade.
Os vícios do mundo moderno:
O automóvel e o cinema,
As discriminações raciais,
O exterminio dos índios,
Os truques da alta finança,
A catástrofe dos velhos,
O comércio clandestino de brancas realizado por sodomitas internacionais,
A auto-promoção e a gula
As Pompas Fúnebres
Os amigos pessoais de sua excelência
A elevação do folclore a categoria do espírito,
O abuso dos estupefacientes e da filosofia,
A suavização dos homens favorecidos pela fortuna
O auto-erotismo e a crueldade sexual
A elevação do onírico e do subconsciente em detrimento do senso comum.
A confiança exagerada em sonhos e vacinas,
O endeusamento do falo,
A política internacional de pernas abertas patrocinada pela imprensa reacionária,
A ânsia desmedida de poder e de lucro,
A carreira do ouro,
A fatídica dança dos dólares,
A especulação e o aborto,
A destruição dos ídolos.
O desenvolvimentos excessivo da dietética da psicología pedagógica,
O vício da dança, do cigarro, dos jogos de azar,
As gotas de sangue que costumam encontrar-se entre os lençóis dos recém-casados,
A loucura do mar,
A agorafobia e a claustrofobia,
A desintegração do átomo,
O humor sangrento da teoria da relatividade,
O delírio de voltar ao ventre materno,
O culto do exótico,
Os acidentes aéreos,
As incinerações,as lutas em massa, a retenção dos passaportes,
Tudo isto porque sim,
Porque produz vertigem,
A interpretação dos sonhos,
E a difusão da radiomania.
Como fica demonstrado, o mundo moderno é composto por flores artificiais
Que se cultivam nuns vasos parecidos com a morte,
É formado por estrelas de cinema,
E de sangrentos boxistas que combatem à luz da lua,
Compõe-se de homens-rouxinol que controlam a vida económica dos países,
Por meio de alguns mecanismos fáceis de explicar,
Geralmente vestem de negro como os precursores do outono
E alimentam-se de raízes e de ervas silvestres.
Entretanto os sábios, comidos pelas ratazanas,
Apodrecem nos sótãos das catedrais,
E as almas nobres são perseguidas implacavelmente pela policia
O mundo moderno é uma grande cloaca,
Os restaurantes de luxo estão apinhados de cadáveres digestivos
E de pássaros que voam perigosamente baixo.
E não é tudo: Os hospitais estão cheios de impostores,
Sem referir os herdeiros do espírito que estabelecem as suas colónias
no ânus dos recém-operados.
Às vezes os industriais modernos sofrem o efeito da atmosfera envenenada,
Junto ás máquinas de tecer costumam ficar doentes por causa da terrível doença do sonho,
Que por vezes os transforma numa espécie de anjos.
Negam a existência do mundo físico,
E vangloriam-se de ser uns pobres filhos do sepulcro.
Contudo o mundo sempre foi assim.
A verdade, como a beleza, não se cria nem se perde.
E a poesia reside nas coisas ou é simplesmente uma miragem do espírito.
Reconheço que um terramoto bem concebido
Pode acabar em alguns segundos coom uma cidade rica em tradições
E que um minucioso bombardeamneto aéreo
Derruba árvores, cavalos, tronos, música.
Mas que interessa tudo isto
Se enquanto a maior bailarina do mundo
Morre pobre e abandonada numa pequena aldeia do sul de França
A primavera devolve ao homem uma grande parte das flores desaparecidas.
Tratemos de ser felizes, recomendo, chupando a miserável costela humana.
Extraiamos dela o líquido renovador,
Cada um de acordo com as suas inclinacões pessoais.
Agarremo-nos a esta lástima divina!
Pintores e estremecidos
Chupemos estes lábios que nos enlouquecem;
A sorte foi encontrada.
Respiremos este perfume enervador e destruidor
E vivamos um dia mais a vida dos eleitos:
Das suas axilas extrai o homem a cera necessária
para forjar o rosto dos seus ídolos.
E do sexo da mulher a palha e o barro dos seus templos.
Por tudo isto
Crio um piolho na minha gravata
E sorrio aos imbecis que descem das árvores.
Nicanor Parra
De Poemas e antipoemas (Santiago, Nascimento,1954)
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