Joseph Brodsky. Poeta russo, natural de Leninegrado, actual S. Petersburgo a 24 de Maio de 1940. Faleceu em Nova Iorque, a 28 de Janeiro de 1996. Prémio Nobel da Literatura em 1987. Escreveu em língua russo e, mais tarde, em língua inglesa. Em 1964 foi condenado a cinco anos de trabalhos forçados pelo estado soviético. Exilou-se nos EUA, naturalizou-se cidadão americano em 1977.
PARA A MINHA FILHA
Dai-me outra vida e estarei no Caffè Rafaella
a cantar. Ou estarei sentado a uma mesa,
simplesmente. Ou de pé, como um móvel no corredor,
caso essa vida seja menos generosa que a anterior.
Contudo, em parte porque nenhum século daqui em diante
conseguirá passar sem jazz nem cafeína, aguentarei esse desplante,
e pelas minhas rachas e poros, verniz e todo de pó coberto,
observarei, daqui a vinte anos, como a tua flor se terá aberto.
De um modo geral, lembra-te de que estou por ali. Ou melhor, que
um objecto inanimado pode ser o teu pai, sobretudo se
os objectos forem mais velhos do que tu, ou maiores. Não
os percas de vista, pois, sem dúvida, te julgarão.
Seja como for, ama essas coisas, haja ou não encontro.
Além disso, pode ser que ainda te lembres duma silhueta, dum contorno,
ao passo que eu até isso perderei, juntamente com a restante bagagem.
Daí estes versos, algo toscos, na nossa comum linguagem.
Joseph Brodsky
in So Forth (1984)
Antologia: Paisagem com Inundação, edição bilingue, Cotovia, Lisboa, 2001
Trad.: Carlos Leite
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