quinta-feira, 8 de março de 2007

Alberto Caeiro - Fernando Pessoa




















Fernando Pessoa na "baixa" de Lisboa.













Explicação do nascimento de Alberto Caeiro em carta dirigida a Adolfo Casais Monteiro, e o original do Poema II de "O Guardador de Rebanhos".


Lisboa, há 93 anos, em casa, sobre uma cómoda...

O GUARDADOR DE REBANHOS

II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo…

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo.

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos…
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar…

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar…

8-3-1914

© 1914, Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)
In: Poesia
Edição: Assírio & Alvim, Lisboa, 2001

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