terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Em Janeiro...













Jogo de Sombras.Uma manhã no Museu D'Orsay em Paris. Maio,2005.
Fotografia de Isaac Pereira.




EM JANEIRO

A minha mãe...

Em Janeiro, os gatos páram ao sol,
entre ruínas de casas abandonadas.
O frio sobe pelas narinas
e sai sorrindo, boquiaberto, em fumos de espanto.

É o tempo e a latitude do sono doce e vegetal
das árvores infantis, da imaginação das hortênsias azuis, lilases e rosas...
E há bolbos em canteiros sem nome,
ninhos cavados no interior do musgo, no útero da terra.
Rizomas que hão de ser vermelhos até à morte,
que hão de chegar ao despertar primaveril das mãos, dos dedos,
das nossas mãos de gelo entreaquecidas como lábios de fogo azul.

Regresso agora à casa antiga
agarrado à chuva de granito,
a um vendaval de árvores nuas.
Na estrada, as valetas são correntes de rio,
as sarjetas são como cataratas,
a foz onde se esconde o peso do mundo.
Pesadelos desconhecidos.

Mas hoje, acredita. Hoje tive um sonho.
Era um mercado de flores, a Oriente.
Eu sorria ás vendedoras que conheci em dias que não foram sonhos.
As bancas eram amarelas, eram brancas.
Aí te encontrei talvez, talvez perdido entre corolas.

Saio do sonho para a realidade fria.

Em Janeiro, como homens na cidade abandonada,
os gatos vagueiam, invisíveis,
desistem debaixo de viadutos,
não falam, fazem fogueiras, miam de frio, não dançam.
Parece que rosnam baixinho.

Em Janeiro, não estou cansado ainda,
estendo os pés na água quente da noite,
e, como um murmúrio longínquo, oiço-te cantar no meu ouvido:

- Doba, doba, dobadoira...

Não adormeço sozinho.

1 comentário:

azuki disse...

mais um blogue (para mim, até agora, desconhecido) sobre as palavras. a minha blogosfera ficou mais rica.