quarta-feira, 31 de janeiro de 2007
Friedrich Nietzsche
Dois extractos de Brincadeira, Manhã e Vingança, de Friedrich Nietzsche. No último dia deste primeiro mês. Apenas por convenção. Interrogação: Devo prosseguir com este blogue? Haverá leitores?
SABEDORIA DO MUNDO
Não fiques em terreno plano.
Não subas muito alto.
O mais belo olhar sobre o mundo
Está a meia encosta.
JUÍZOS DOS HOMENS CANSADOS
Todos os esgotados amaldiçoam o sol;
Para eles o valor das árvores está...na sombra!
A Gaia Ciência,Friedrich Nietzsche, Alemanha, 1844-1900
Trad.: Alfredo Margarido
terça-feira, 30 de janeiro de 2007
Mzi Mahola
Hoje, finalmente, um poema vindo de África.
A CASA DO POBRE
Quando era rapaz
Nunca perguntei o motivo
Do percurso solitário
que vinha do abrigo do homem pobre.
Por que ziguezagueava
Como a fuga de uma fera ferida.
Agora que sou adulto
Sei por que os ricos se perturbam
Quando resmungamos.
© 2000, Mzi Mahola, África do Sul
Trad.: Isaac Pereira
De: Quando as chuvas chegam
Editora: Carapace Poets, an imprint of Snailpress, Africa do Sul
A CASA DO POBRE
Quando era rapaz
Nunca perguntei o motivo
Do percurso solitário
que vinha do abrigo do homem pobre.
Por que ziguezagueava
Como a fuga de uma fera ferida.
Agora que sou adulto
Sei por que os ricos se perturbam
Quando resmungamos.
© 2000, Mzi Mahola, África do Sul
Trad.: Isaac Pereira
De: Quando as chuvas chegam
Editora: Carapace Poets, an imprint of Snailpress, Africa do Sul
segunda-feira, 29 de janeiro de 2007
Dylan Thomas
Copyright © Lee Miller Archives
Tudo sobre Dylan Tomas em:
http://www.dylanthomas.com
HAVIA UM TEMPO
Havia um tempo em que dançarinos com seus violinos
podiam deixar seus problemas nos circos das crianças?
Era o tempo em que podiam chorar sobre livros,
Mas o tempo colocou a sua larva no caminho.
Sob o arco do céu não estão a salvo.
O que não se conhece é seguro nesta vida.
Sob os sinais do céu aquele que não tem braços
Possui as mãos mais limpas, e, como um espirito insensivel
não sofre sozinho, também um cego vê melhor.
Dylan Thomas
Swansea,País de Gales, 27 de Outubro 1914 – Nova Iorque, 9 de Novembro 1953
Trad.: Isaac Pereira
domingo, 28 de janeiro de 2007
Kalidasa
O DESEJO...
O desejo a impele ao encontro do amante
O receio a detém por um momento
Parece a seda de um estandarte
Que ora se abandona ora se furta ao vento
Kalidasa, séc. V - Índia
Trad.: Jorge Sousa Braga
O desejo a impele ao encontro do amante
O receio a detém por um momento
Parece a seda de um estandarte
Que ora se abandona ora se furta ao vento
Kalidasa, séc. V - Índia
Trad.: Jorge Sousa Braga
sábado, 27 de janeiro de 2007
Anónimo II
VISITA NOCTURNA
Desvia o estore de bambu,
amor;
entra e chega-te a mim.
Se a minha mãe ouvir,
direi: "foi apenas o vento".
Trad. Stephen Reckert
Anónimo séc.VIII (Japão)
Desvia o estore de bambu,
amor;
entra e chega-te a mim.
Se a minha mãe ouvir,
direi: "foi apenas o vento".
Trad. Stephen Reckert
Anónimo séc.VIII (Japão)
Haiku de Inverno
sexta-feira, 26 de janeiro de 2007
Anónimo I
XAROPE DE PERAS, XAROPE DE VINHO
O teu corpo é como o vaso
onde o vinho ferve, doce como açúcar.
No vaso é profundo o cravo-de-cabecinha,
a picante e terrestre canela,
o ácido limão.
Levemente,
a faca despe a pele dos frutos
que os dedos tocam
e depositam no fogo do vaso.
Fecho os olhos.
Na cozinha, um aroma-vapor de néctar e de uvas.
Enquanto a colher-de-pau mexe,
espero a semente, os lábios, a geleia da embriaguês.
E apuro no interior do vaso,
a efervescência dos líquidos.
Um xarope rubi, como as pêras!
- Chlep! Chlep!
Anónimo
Do Tempo das Descobertas.
quinta-feira, 25 de janeiro de 2007
Issa Kobayashi
Noite nevada.
Há pessoas que caminham
caladas.
Haiku de Inverno.Solidão.
Kobayashi Issa (1763-1827)
Nasceu em Kashiwabara, uma aldeia de setecentos habitantes, na provincia de Shinano, actual Nagano, a norte de Tóquio.
Mais informção acerca de Kobayashi no sítio:
http://haikuguy.com/issa/index.html
quarta-feira, 24 de janeiro de 2007
Arthur Rimbaud
De novo o Inverno.
Rimbaud, jovem poeta com 16 anos de idade, descreve uma viagem no interior de uma carruagem.
SONHO DE INVERNO
Para Ela.
No Inverno viajamos no interior de uma pequena carruagem cor-de-rosa
Com almofadas azuis.
Estamos bem. Um ninho de beijos loucos descansa
Em cada canto macio.
Tu fechas os olhos e nada verás pela vidraça
Rostos horríveis na sombra da noite,
Essas agressivas monstruosidades, a plebe
De negros demónios e de negros lobos.
Depois, sentirás a face arranhada...
Um pequeno beijo, como uma aranha louca,
Correrá pelo teu pescoço...
Dir-me-ás: "Procura!",inclinando a cabeça
-Levaremos algum tempo até encontrar esse bichinho
-Que muito viaja...
Dentro de uma carruagem. 7 de Outubro,1870.
Tradução de IP
terça-feira, 23 de janeiro de 2007
Em Janeiro...
Jogo de Sombras.Uma manhã no Museu D'Orsay em Paris. Maio,2005.
Fotografia de Isaac Pereira.
EM JANEIRO
A minha mãe...
Em Janeiro, os gatos páram ao sol,
entre ruínas de casas abandonadas.
O frio sobe pelas narinas
e sai sorrindo, boquiaberto, em fumos de espanto.
É o tempo e a latitude do sono doce e vegetal
das árvores infantis, da imaginação das hortênsias azuis, lilases e rosas...
E há bolbos em canteiros sem nome,
ninhos cavados no interior do musgo, no útero da terra.
Rizomas que hão de ser vermelhos até à morte,
que hão de chegar ao despertar primaveril das mãos, dos dedos,
das nossas mãos de gelo entreaquecidas como lábios de fogo azul.
Regresso agora à casa antiga
agarrado à chuva de granito,
a um vendaval de árvores nuas.
Na estrada, as valetas são correntes de rio,
as sarjetas são como cataratas,
a foz onde se esconde o peso do mundo.
Pesadelos desconhecidos.
Mas hoje, acredita. Hoje tive um sonho.
Era um mercado de flores, a Oriente.
Eu sorria ás vendedoras que conheci em dias que não foram sonhos.
As bancas eram amarelas, eram brancas.
Aí te encontrei talvez, talvez perdido entre corolas.
Saio do sonho para a realidade fria.
Em Janeiro, como homens na cidade abandonada,
os gatos vagueiam, invisíveis,
desistem debaixo de viadutos,
não falam, fazem fogueiras, miam de frio, não dançam.
Parece que rosnam baixinho.
Em Janeiro, não estou cansado ainda,
estendo os pés na água quente da noite,
e, como um murmúrio longínquo, oiço-te cantar no meu ouvido:
- Doba, doba, dobadoira...
Não adormeço sozinho.
segunda-feira, 22 de janeiro de 2007
Ricardo Reis. Heterónimo de Fernando Pessoa
Fotografia de Isaac Pereira. Inverno, 2006.
AO LONGE OS MONTES...
Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
Hoje,Neera, não nos escondamos.
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.
16-6-1914
Ricardo Reis, Odes e Outros Poemas. Assírio e Alvim
domingo, 21 de janeiro de 2007
Inverno
A meu pai...
I
Ao frio, ao luar,
a sombra da videira,
toca o granito.
II
Restaram os ramos,
o chilrar de um pássaro,
arames gelados.
III
Alguém o esqueceu:
Pende na ramada nua
um cacho rugoso.
IV
Abro a janela:
Tudo cinza! Só neve!
Um melro no ramo!
V
Manhã de geada:
Ar de vinha queimada
no fogo dos velhos.
Koi Hui-Sio
I
Ao frio, ao luar,
a sombra da videira,
toca o granito.
II
Restaram os ramos,
o chilrar de um pássaro,
arames gelados.
III
Alguém o esqueceu:
Pende na ramada nua
um cacho rugoso.
IV
Abro a janela:
Tudo cinza! Só neve!
Um melro no ramo!
V
Manhã de geada:
Ar de vinha queimada
no fogo dos velhos.
Koi Hui-Sio
sábado, 20 de janeiro de 2007
Fiama Hasse Pais Brandão
Parede de betão. Ícaros no porto de Píreu. Atenas, Agosto.1991.
Isaac Pereira.
Montagem sobre fotografia de Fiama Hasse Pais Brandão. picture.
EPÍSTOLA PARA DÉDALO
Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.
Fiama Hasse Pais Brandão, in Epístolas e Memorandos, 1996
Para pensar. Consideração do ensaísta Eduardo Lourenço:
Fiama é “uma espécie de concha de silêncios, onde se reflectiam todas as dores e alegrias do mundo (...) mas vamos ter agora tempo para a ler, como é costume em Portugal, onde só acordamos com os mortos nos braços” e “se há um céu para os poetas, como se diz que há para as crianças quando morrem, pela sua inocência, Fiama, que tinha esse nome maravilhoso de chama, terá nele certamente um lugar.”
Eduardo Lourenço é autor do prefácio de “Obra Breve”, livro que reúne a poesia completa de Fiama Hasse Pais Brandão (Assírio e Alvim, 2006).
sexta-feira, 19 de janeiro de 2007
Fernando Esquio
'Cantigas de Amigo' manuscrito de Martin Codax
Biblioteca Pierpont Morgan, Nova Iorque.
VAIAMOS, IRMANA
Vaiamos, irmana, vaiamos dormir
ns ribas do lago u eu andar vi
a las aves meu amigo.
Vaiamos, irmana, vaiamos folgar
nas ribas do lago u eu vi andar
a las aves meu amigo.
En nas ribas do lago u eu andar vi
seu arco na maao as aves ferir
a las aves meu amigo
En nas ribas do lago u eu vi andar
seu arco na mano a las aves tirar
a las aves meu amigo.
Seu arco na mano as aves ferir
e las que catavam leixá-las guarir,
a las aves meu amigo.
Seu arco na mano a las aves tirar
e las que cantavam non nas quer matar,
as las aves meu amigo.
Galaico-português (final do séc. XII - início do séc. XIV)
Ver: http://www.vieiros.com/galego.org/linguadascantigas/index.html
quinta-feira, 18 de janeiro de 2007
Dionísio, O Sofista
A RAPARIGA DAS ROSAS
Tu, que trazes as rosas, és rosas o encanto que trazes.
O que é que vendes? a ti? Às rosas,ou às rosas e a ti?
Antologia Palatina - séc. I a.C.?
Translated by Fernnado Pessoa
"A Antologia Grega", também chamada Antologia Palatina, é uma colecção de mais de seis mil pequenos poemas gregos. A antologia é formada por uma grande variedade de temas em vários estilos, compostos por cerca de 300 poetas durante mais de um milénio de cultura grega."
Tu, que trazes as rosas, és rosas o encanto que trazes.
O que é que vendes? a ti? Às rosas,ou às rosas e a ti?
Antologia Palatina - séc. I a.C.?
Translated by Fernnado Pessoa
"A Antologia Grega", também chamada Antologia Palatina, é uma colecção de mais de seis mil pequenos poemas gregos. A antologia é formada por uma grande variedade de temas em vários estilos, compostos por cerca de 300 poetas durante mais de um milénio de cultura grega."
Ver: http://www.ancientlibrary.com/greek-anthology
quarta-feira, 17 de janeiro de 2007
Pablo García Casado
AMOR
uma mulher sempre metida na cozinha
sempre com problemas sempre com a regra
o lixo não te esqueças de ir passear o cão
uma doença que se cura com os anos
um rádio que começa a perder as emissoras
um comboio que faz sempre o mesmo percurso
entre duas cidades cada vez mais afastadas
Pablo García Casado (Cordova,1972)
Antologia de Poesia Espanhola, anos 90
Joaquim Manuel Magalhães
Relógio d'água
terça-feira, 16 de janeiro de 2007
Um certo lugar em Ou Mun
segunda-feira, 15 de janeiro de 2007
Yao Feng
Yao Feng, pseudónimo de Yao Jingming, nasceu em Beijing. Possuidor de uma forte relação com Portugal, tem em Eugénio de Andrade um dos seus poetas portugueses predilectos. É considerado um dos mais promissores poetas da nova geração de autores chineses. Coordena a Revista Poesia Sino-Ocidental. Poeta bilingue, exprime-se facilmente em Língua Portuguesa. É autor de quatro obras de poesia em português e em chinês. Publicou em 2006 Farawaysong, de onde retiramos:
PASSAGEM PELO PLANALTO CENTRAL
O comboio passa pelo Planalto Central
onde o milho amadurecido
adopta todos os raios de sol
Ano após ano
o milho deita-se como sementes
e levanta-se como cereais
Tal como eu, ri com a boca aberta
e repleta de dentes amarelos
mas nenhum deles é de ouro
Yao Feng, Farawaysong
No livro encontram-se publicadas reproduções de pinturas de Ge Zhen. Aqui reproduzimos At the end of the tree, nº2:
domingo, 14 de janeiro de 2007
Eugénio de Andrade
Fotografia de Dario Gonçalves publicada no livro COM O SOL EM CADA SÍLABA
CRISTALIZAÇÕES
1
Com palavras amo.
2
Inclina-te como a rosa
só quando o vento passe.
3
Despe-te
como o orvalho
na concha da manhã.
4
Ama
como o rio sobe os últimos degraus
ao encontro do seu leito.
5
Como podemos florir
ao peso de tanta luz?
6
Estou de passagem:
amo o efémero.
7
Onde espero morrer
será manhã ainda?
De Ostinato Rigore-1964
sábado, 13 de janeiro de 2007
Carlos Drummond de Andrade
Um poeta de alma e ofício. Assim era Carlos Drummond de Andrade, mineiro nascido no ano de 1902 em Itabira ("Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro" - confessou em "Confidência do Itabirano").
Diz Carlos Drummond de Andrade:
Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de consciência com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação.Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos.
INFÂNCIA
Diz Carlos Drummond de Andrade:
Entendo que poesia é negócio de grande responsabilidade, e não considero honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor-de-cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de consciência com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação.Até os poetas se armam, e um poeta desarmado é, mesmo, um ser à mercê de inspirações fáceis, dócil às modas e compromissos.
INFÂNCIA
A Abgar Renault
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada, cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
-Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
De A FAMÍLIA QUE ME DEI
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada, cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
-Psiu...Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro...que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
De A FAMÍLIA QUE ME DEI
sexta-feira, 12 de janeiro de 2007
Perdido
O Tempo já não mora aqui. O que resta é uma espera como os dias. Já não contam os ponteiros. Soubesse que histórias esquecidas vos contaria. Cantigas de marinheiros ouvidas ao longe, à saida do cais, no Porto Interior. O sol ténue a cair sobre os lábios dos enamorados, amores distantes guardados no baú dos meus segredos, como beijos em noites de luar. Guardo a erosão no meu corpo, a boca seca, a transparência do olhar, partida.
Perdido, vivo aqui, a lembrar que o futuro existiu, no Beco dos Marinheiros.
Macau, Janeiro 2002
quinta-feira, 11 de janeiro de 2007
Oriente
À saída da barra,
O navio que em pouco tempo será um navio distante,
Liberta uma chaminé de fumo negro,
Voga no mar, no céu, no mar cinzento,
Até desaparecer no interior da neblina.
Na praia deserta, à saída da barra,
Ficam beijos breves de namorados,
O vento, a chuva, as árvores,
e outras coisas essenciais como a areia.
Não há sol, o navio invisível já vai longe,
E a noite chega sem o grasnar das gaivotas.
Neste instante em que assomo à janela da realidade,
O meu olhar é como o rasto negro do distante navio,
A rumar para um longínquo fim,
um sorriso que avança voltado para terra,
Com nostalgia de tudo, até do futuro.
Koi Hui Sio
quarta-feira, 10 de janeiro de 2007
Tonino Guerra
terça-feira, 9 de janeiro de 2007
Matsuo Bashô
segunda-feira, 8 de janeiro de 2007
W.H.Auden
MUSÉE DE BEAUX ARTS
Sobre o sofrimento tiveram sempre razão
Os Velhos Mestres; perceberam lindamente
A sua humana posição; como habitualmente ocorre
Enquanto outros comem ou abrem uma janela ou simplesmente
passeiam;
Como, enquanto os idosos aguardam reverente e ardentemente
Pelo milagroso nascimento, tem de haver
Crianças que não queriam especialmente que acontecesse, patinando
Num lago na orla da floresta;
Nunca esqueceram
Que até o atroz martírio deve decorrer
Algures a um canto, um local grosseiro
Onde os cães continuam a sua vida de cão e o cavalo do algoz
Esfrega atrás de uma árvore o inocente traseiro.
No Ícaro de Breughel, por exemplo: como tudo se desvia
Calmamente do desastre; o lavrador por certo teria
Ouvido o splash, o grito desvalido,
Mas para ele não era um fracasso importante; o Sol brilhava
Como devia nas pernas brancas que no mar esverdeado
Se sumiram; e o barco sumptuoso e delgado que terá vislumbrado
Algo de extraordinário, um rapaz do céu caído,
Tinha algures para onde ir e calmamente vogava.
De "Outro Tempo", Tradução de Margarida Vale do Gato.
domingo, 7 de janeiro de 2007
Camilo Pessanha
sábado, 6 de janeiro de 2007
Hannah Szenes
sexta-feira, 5 de janeiro de 2007
Li Bai
BEBENDO AO LUAR
Um jarro de vinho entre as flores,
bebo sozinho, sem amigos.
Levanto o copo e convido o luar,
com a minha sombra somos três.
Ah, mas a lua não sabe beber,
a sombra só sabe acompanhar meu corpo.
O luar por amigo, a sombra por escrava,
vamos todos fruir a Primavera, festejar.
Eu canto e passeiam no ar
os raios de luar.
Eu danço e volteia no espaço
a sombra de mim.
Lúcidos, nós três desfrutámos prazeres suaves,
bêbados, cada um segue seu caminho.
Que possamos repetir muitas vezes
nosso singular festim
e nos encontremos, por fim,
na Via Láctea.
Um jarro de vinho entre as flores,
bebo sozinho, sem amigos.
Levanto o copo e convido o luar,
com a minha sombra somos três.
Ah, mas a lua não sabe beber,
a sombra só sabe acompanhar meu corpo.
O luar por amigo, a sombra por escrava,
vamos todos fruir a Primavera, festejar.
Eu canto e passeiam no ar
os raios de luar.
Eu danço e volteia no espaço
a sombra de mim.
Lúcidos, nós três desfrutámos prazeres suaves,
bêbados, cada um segue seu caminho.
Que possamos repetir muitas vezes
nosso singular festim
e nos encontremos, por fim,
na Via Láctea.
Li Bai
Tradução: António Graça de Abreu
Tradução: António Graça de Abreu
quinta-feira, 4 de janeiro de 2007
Cesare Pavese
TERRA VERMELHA, TERRA NEGRA
Terra vermelha, terra negra
que vens do mar,
dos campos queimados,
onde estão as palavras
antigas e as fadigas do sangue
e gerânios entre os rochedos -
não sabes quanto tens
de mar palavras e fadiga,
tu rica como a lembrança,
como os campos agrestes,
tu dura e dulcíssima
palavra, antiga pelo sangue
que aflui ao olhos;
jovem, com um fruto
que é estação e eco -
o teu hálito repousa
ao céu de Agosto,
as azeitonas do teu olhar
adoçam o mar,
e tu vives e renasces
sem espanto, segura
como a terra, escura
como a terra, lagar
de estações e de sonhos
que à lua se descobre
antiquíssimo, como
as mãos da tua mãe,
a pedra gasta da lareira.
27 de Outubro de 1945
Tradução: Carlos Leite
Livros Cotovia
Cesare Pavese, Trabalhar Cansa
quarta-feira, 3 de janeiro de 2007
Ruy Belo
EPÍGRAFE PARA A NOSSA SOLIDÃO
Cruzámos nossos olhos em alguma esquina
demos civicamente os bons dias:
chamar-nos-ão vais ver contemporâneos
Ruy Belo
Relação. Aquele Grande Rio Eufrates
Cruzámos nossos olhos em alguma esquina
demos civicamente os bons dias:
chamar-nos-ão vais ver contemporâneos
Ruy Belo
Relação. Aquele Grande Rio Eufrates
Ruy Belo (1933-1978) nasceu em S. João da Ribeira, pequena aldeia do concelho de Rio Maior.
Nome de destaque na poesia portuguesa contemporânea, exerceu igualmente intensa actividade de ensaísta e crítico literário. Da sua obra poética fazem parte Aquele Grande Rio Eufrates (1961), Boca Bilingue (1966), Despeço-me da Terra da Alegria (1977).
Nome de destaque na poesia portuguesa contemporânea, exerceu igualmente intensa actividade de ensaísta e crítico literário. Da sua obra poética fazem parte Aquele Grande Rio Eufrates (1961), Boca Bilingue (1966), Despeço-me da Terra da Alegria (1977).
terça-feira, 2 de janeiro de 2007
Walt Whitman
POETAS QUE HÃO-DE VIR
Poetas que hão-de vir! oradores, cantores e músicos que hão-de vir!
Nem o dia de hoje tem de me justificar e responder pelo que sou,
Mas vós, uma nova descendência, natural, atlética, continental, maior do que as anteriores
conhecidas,
Erguei-vos! porque tendes de me justificar.
Eu próprio escrevo apenas uma ou duas palavras para o futuro,
Eu apenas avanço um momento para retroceder apressadametne para as trevas.
Sou um homem que deambula sem parar totalmente, por acaso olha para ti e de seguida
desvia o rosto,
Deixando que sejas tu quem venha prová-lo e defini-lo,
E espera de ti as coisas principais.
Poetas que hão-de vir! oradores, cantores e músicos que hão-de vir!
Nem o dia de hoje tem de me justificar e responder pelo que sou,
Mas vós, uma nova descendência, natural, atlética, continental, maior do que as anteriores
conhecidas,
Erguei-vos! porque tendes de me justificar.
Eu próprio escrevo apenas uma ou duas palavras para o futuro,
Eu apenas avanço um momento para retroceder apressadametne para as trevas.
Sou um homem que deambula sem parar totalmente, por acaso olha para ti e de seguida
desvia o rosto,
Deixando que sejas tu quem venha prová-lo e defini-lo,
E espera de ti as coisas principais.
Walt Whitman, em Leaves of Grass - Folhas de Erva -
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães - Relógio d'água
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães - Relógio d'água
Gingko
Manhã de inverno no jardim. Uma velhinha, uma pequena velhinha, deixa de andar e fica a olhar uma árvore. Uma grande árvore amarela, coberta de pequenas folhas, pequenas folhas amarelas. A velhinha sorri como sorriu a primeira vez na vida. É um Gingko: a mais velha árvore conhecida no mundo.
Guarda-a num telemóvel-camara.
Koi Hui Sio
Guarda-a num telemóvel-camara.
Koi Hui Sio
segunda-feira, 1 de janeiro de 2007
A experiência de Ryôkan
As convenções que não são próprias da Natureza não me preocupam muito. Quem me disse que este é o primeiro dia do ano? Apenas espero a grande festa da Primavera para ver a vida acordar de um longo sonho de Inverno.
O ladrão deixou
A lua
Na janela
Ryôkan
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